Não é preciso um senso crítico agudo para notar que o cenário evangélico brasileiro é um caos doutrinário. Rádio e televisão nos trazem programas evangélicos que exibem uma incrível babel de exotismos teológicos e práticos. O cristianismo é tornado em vudu e a mensagem de transformação do homem e das estruturas é trocada por um hedonismo espiritual, onde o que vale é ser feliz e "saquear as riquezas dos ímpios" (seja lá o que isso for). Escândalos pipocam e comprometem os evangélicos sérios. Sem apedrejamento, há denominações que se reúnem em cinemas e mercados, alugados ou comprados, onde as pessoas passam uma ou duas horas em louvor e ouvindo mensagens mais para Lair Ribeiro que para Jesus Cristo. O próprio espaço arquitetônico mostra sua concepção de vida cristã: não há lugar para educação cristã, pois não há salas para ensino. Há apenas um salão de cultos onde tudo se desenrola, comandado por uma pessoa que traz todo o ensinamento, toda a visão religiosa a se nutrir.
Multipplicam-se os escândalos porque a preocupação é com crescimento quantitativo e não com amadurecimento espiritual, que produz um crescimento quantitativo seguro, embora lento. O tipo de crescimento que manteve o cristianismo e o movimento evangélico à tona, mesmo sob pressão por perseguição religiosa ou coação da mídia. Neste contexto, um pastor, preocupado com o crescimento sadio do reino, precisa nutrir uma visão educacional multifacetada. Ele não é apenas um dirigente de culto ou um pregador que vai ao púlpito, dá um recado e esgotou sua missão. Esta visão multifacetada deve observar os ângulos:
1) A compreensão de que educação cristã não é apenas transmissão de dados mas, acima de tudo, formação de caráter. O alvo da educação cristã não é tornar os crentes conhecedores de curiosidades bíblicas ou apenas possuidores de firmeza doutrinária. E "para que o homem de Deus sejaperfeito, e perfeitamente preparado para toda boa obra" (2Tm 3.17). É para levar a igreja "ao estado de homem feito, à medida da estatura da plenitude de Cristo" (Ef 4.13). Pelas circunstâncias de confusão doutrinária e pelo pipocar de escândalos, a educação cristã deve resgatar a preocupação ética que o Novo Testamento pressupõe como resultado da fé cristã. Infelizmente, até mesmo as avaliações de nosso ensino (a EBD nos dá o maior exemplo) são para ver o quanto a pessoa assimilou das informações passadas. Deve ser sobre o quanto o caráter foi transformado. Isto é fundamental: a educação cristã deve enfatizar fortemente um caráter cristão elevado, sem esquisitices comportamentais, mas centrado nas Escrituras.
2) Uma educação cristã centrada em raízes históricas. Há uma salutar preocupação com métodos educacionais modernos que viabilizam o processo educacional. Isto é bom. Mas os métodos são meios para se alcançar um fim, e não o fim em si mesmo. Muitas vezes a novidade (que não é má nem boa por ser novidade) prevalece sobre o conteúdo. Ora, o conteúdo de nossa fé tem história. Como batistas temos raízes históricas que são motivo de júbilo. Nossa história é rica e nobre. Vemos hoje o proliferar de movimentos a-históricos, sem qualquer vinculação com nada, independentes, soltos no espaço e no tempo. Nossa educação cristã precisa resgatar alguns princípios batistas, princípios históricos pelos quais muitos de nossos antepassados deram sua vida, e que correm o risco de esquecimento. Temos um contexto histórico onde nos inserimos. Ele nos mostra o passado, onde e como surgimos. Mostra o presente: quem somos e o que temos como herança teológica. E serve de balizador para o futuro: como nos posicionar. Não se trata de fossilização, mas de autolocalização, de conhecimento de si mesmo. A história e os princípios teológicos dos batistas devem permear nossa educação cristã.
3) Uma educação crista voltada para a solidariedade. Vivemos num mundo de individualidade e, ainda por cima, massificado pelo pós-modernismo: "cada um na sua". Isto se infiltra na vida cristã. Precisamos preparar os crentes para viverem como pessoas solidárias na igreja. Há igrejas onde as pessoas se desconhecem, onde há guetos e grupelhos fechados que não permitem a entrada de gente nova. Não é uma comunidade cristã. É um clube espiritual. Não se pode ser cristão isolado. Nossa educação precisa enfatizar isso. Há igrejas com gente esbanjando recursos e irmãos passando necessidades gritantes. Esta solidariedade deve ser trabalhada também em nível coletivo: as igrejas precisam ser solidárias. Há igrejas com visão paroquial, não vendo a obra como um todo, sem compreensão das necessidades denominacionais, sem visão missionária. São igrejas narcisistas, apaixonadas por si. em vez de apaixonadas pelo Senhor e, depois, pela obra do Senhor.
4) Uma educação cristã que privilegie a família. Segmentamos a família em muiitas de nossas igrejas: classes para rapazes, para moças, para senhoras e para homens. Por que marido e mulher são separados na igreja? Por que a família é preterida pelo indivíduo? Ensinamos as pessoas a viverem sua vida individual. Devemos ensinar as famílias a viverem como grupo. Ainda há igrejas, em plena véspera do terceiro milénio, em que homens e mulheres devem se sentar separados. Em que marido e mulher, se estiverem de braços dados, serão chamados à atenção. A educação cristã deve enfatizar fortemente os laços familiares e privilegiar a família.
O que foi dito pode ser sintetizado em um aspecto: uma educação cristã mais humana e menos institucional. Que veja mais as pessoas que o prédio e a estrutura denominacional, sem excluí-los, porque fazem parte de nosso cotidiano teológico e vivencial, mas não são o mais importante.
Acima de tudo, a visão educacional do pastor deve se preocupar em preparar gente para viver, neste mundo desorientado, os princípios do evangelho dentro de nossa herança teológica e histórica.
Isaltino Gomes Coelho Filho
Pastor da Igreja Batista Central de
Macapá/AP
Graduado em filosofia e psicanálise clínica.
Professor de Teologia, hebraísta,
conferencista, escritor.
(Educador Batista 3T97)
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