segunda-feira, 1 de setembro de 2014

JESUS, CARPINTEIRO, MARCENEIRO OU CONSTRUTOR?

Há muito tempo ouço dentro e fora do Seminário a pergunta: Por que estudar teologia?  Cada vez que ouço essa pergunta, mais me convenço de que “nunca na história da Igreja cristã” foi tão necessário o estudo da teologia.  Não para aprender a responder perguntas sobre “qual o sexo dos anjos?” ou “quem foi a esposa de Caim?”, mas para entender as questões básicas da fé cristã que,  neste século vinte e um, tem sido cada vez mais adulterada justamente por aqueles que deveriam ser os maiores divulgadores e defensores da fé cristã e da Palavra de Deus, os LÍDERES ECLESIÁSTICOS.  Obviamente que toda generalização é estupidez, mas o quadro que vemos da Igreja cristã evangélica de nosso século é assustador.  Líderes despreparados, pastores, presbíteros, bispos, missionários, apóstolos, etc distorcendo completamente a Palavra de Deus a fim de obterem “resultados” rápidos e extraordinários (aumento do número de seguidores e de arrecadação).

Não é sem propósito que em Oséias 4:6 o Senhor diz: “o meu povo erra por falta de conhecimento”.  E também não é por acaso que em Mateus 22:29 vemos Jesus afirmando: Errais, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus...”.   No século da internet de alta velocidade, da comunicação instantânea, o crente não encontra tempo e nem tem paciência para ler a Bíblia, e boa parte dos líderes eclesiásticos também não, e o resultado tem sido a expansão das pregações e ensinamentos cada vez mais distantes das verdades reveladas na Palavra de Deus.

Na esteira dessa falta de interesse, tempo ou paciência para o estudo sério e sistemático da Palavra de Deus, cresce cada vez mais o nível de desconhecimento bíblico entre os crentes.  O conhecimento bíblico do povo tem sido obtido não através da leitura e estudo da Bíblia, mas por transferência oral de informações baseadas em imagens criadas que acabam se tornando “verdades”, muito embora essas “verdades” estejam bem longe da realidade.  Por exemplo, costumo fazer uma brincadeira com meus alunos no curso de teologia quando ministro a disciplina Panorama Bíblico (Antigo Testamento).  Pergunto, antes de ler qualquer texto bíblico, quantos anos levou para o povo de Israel chegar em Canaã após sua saída do Egito.   Quase que unanimentemente ouço a resposta: “- Quarenta anos!”.  

O conhecimento bíblico do povo tem sido obtido não através da leitura e estudo da Bíblia, mas por transferência oral de informações baseadas em imagens criadas que acabam se tornando “verdades”, muito embora essas “verdades” estejam bem longe da realidade

Quando eu digo que a resposta está errada, que esta informação foi criada no imaginário cristão,  o espanto é quase que geral.  Então eu peço que leiam Êxodo 19:1-2 que diz: “Os israelitas partiram de Refidim. E, no dia primeiro do terceiro mês depois de terem saído do Egito, chegaram ao deserto do Sinai. Eles armaram o acampamento ao pé do monte Sinai”(NTLH).  Ou seja, dois meses após terem saido do Egito armaram acampamento no pé do monte Sinai.  Então peço que leiam Números 10:11-13: “No segundo ano depois que o povo saiu do Egito, no dia vinte do segundo mês, a nuvem se levantou de cima da Tenda Sagrada. Nesse dia os israelitas começaram a caminhar, partindo assim do deserto do Sinai; e a nuvem parou no deserto de Parã. Assim, pela primeira vez, eles começaram a caminhar, conforme a ordem que o Senhor tinha dado a Moisés” (NTLH).    Ou seja, após um ano e vinte dias acampados no pé do monte sinai, ou quatorze meses e vinte dias após a saída do Egito, os israelitas levantam acampamento e se dirigem rumo a Canaã,  acampando no deserto de Parã, em Cades Barnea, na entrada de Canaã, a Terra prometida (Números 13:3 e 25).

Embora a pergunta aos alunos seja uma “pegadinha”, pois não pergunto quanto tempo eles levaram para entrar em Canaã, mas para chegar lá, o fato é que boa parte deles imagina que Israel ficou perdido no deserto, sem rumo, durante quarenta anos, e somente quarenta anos após a saída do Egito é que os israelitas encontraram a terra prometida, e aí partiram para sua conquista.  Pior ainda foi o que ouvi certa ocasião de uma aluna; disse ela que ouviu em uma pregação o pastor dizer que era tão longa a distância entre o Egito e Canaã que Israel levou quarenta anos para chegar lá. 

            Da mesma forma, causa surpresa em muitos alunos quando explico que Israel levou quarenta anos para entrar em Canaã por causa do pecado de incredulidade de dez líderes que influenciaram negativamente todo o povo, conforme registro de Números 13: “Mande alguns homens para espionar a terra de Canaã, a terra que eu vou dar aos israelitas. Em cada tribo escolha um homem que seja líder. Do deserto de Parã Moisés enviou os espiões, de acordo com as ordens de Deus, o Senhor. Todos eram chefes de tribos do povo de Israel”(vv.2,3). [...] “Depois de espionarem a terra quarenta dias, eles voltaram a Cades, no deserto de Parã, onde estavam Moisés, Arão e todo o povo de Israel. E contaram a eles e a todo o povo o que tinham visto e mostraram as frutas que haviam trazido da terra” (vv 25 a 27).   Mas apesar de terem conferido todas as maravilhas da terra prometida, esses líderes se acovardaram diante das dificuldades encontradas e levaram o povo a, por medo, se recusar a entrar em Canaã: “Eles disseram a Moisés: – Nós fomos até a terra aonde você nos enviou. De fato, ela é boa e rica, como se pode ver por estas frutas. Mas os que moram lá são fortes, e as cidades são muito grandes e têm muralhas. Além disso, vimos ali os descendentes dos gigantes.  Os amalequitas moram na região sul da terra. Os heteus, os jebuseus e os amorreus moram nas montanhas. Os cananeus vivem perto do mar Mediterrâneo e na beira do rio Jordão.  Aí o povo começou a reclamar contra Moisés, mas Calebe os fez calar e disse:  – Vamos atacar agora e conquistar a terra deles; nós somos fortes e vamos conseguir isso!  Porém os outros que tinham ido com ele disseram: – Não. Não podemos atacar aquela gente, pois é mais forte do que nós.  Assim, espalharam notícias falsas entre os israelitas a respeito da terra que haviam espionado. Eles disseram: – Aquela terra não produz o suficiente nem para alimentar os seus moradores. E os homens que vimos lá são muito altos. Também vimos ali gigantes, os descendentes de Anaque. Perto deles nós nos sentíamos tão pequenos como gafanhotos; e, para eles, também parecíamos gafanhotos” (Números 13:27-33 NTLH).

            Tal atitude por parte dos líderes e do povo de Israel motivou a seguinte decisão divina: “Vocês serão mortos, e os corpos de vocês serão espalhados pelo deserto. Vocês reclamaram contra mim, e por isso nenhum de vocês que tem vinte anos de idade ou mais entrará naquela terra.  Eu jurei que os faria morar lá, mas nenhum de vocês entrará naquela terra, a não ser Calebe, filho de Jefoné, e Josué, filho de Num.  Vocês disseram que os seus filhos seriam presos, mas eu vou levar esses filhos para a terra que vocês rejeitaram, e ali será o lar deles.  Porém vocês morrerão, e os corpos de vocês ficarão neste deserto,  onde os seus filhos vão caminhar quarenta anos. Vocês foram infiéis, e por isso eles vão sofrer, até que todos vocês morram aqui.  Quarenta anos vocês vão sofrer por causa dos seus pecados, conforme os quarenta dias que vocês espionaram a terra, um ano para cada dia...” (Números 14:29-34 NTLH).

De fato, Deus impediu que aquela geração de vinte anos para cima entrasse em Canaã, exceto Josué e Calebe, os dois únicos espias que tiveram a fé suficiente para herdar a terra prometida.  Assim, toda aquela geração acima de vinte anos passaria os próximos trinta e oito anos no deserto até que não restasse mais nenhum deles (Deuteronômio 2:13-16).   

Por incrível que pareça, há quatorze anos dando aulas no Seminário tenho feito sistematicamente a mesma “pegadinha”, e tenho verificado que aumenta cada vez  mais o número de alunos que se surpreendem com “essas novas descobertas”.

A ignorância sobre determinadas questões apresentadas na Palavra de Deus certamente impede o indivíduo de enxergar a grandiosidade do plano de Deus para o ser humano e o cuidado de Deus com os mínimos detalhes

É verdade que esse desconhecimento pode não ter nenhuma influência no relacionamento do indivíduo com Deus, mas a ignorância sobre determinadas questões apresentadas na Palavra de Deus certamente impede o indivíduo de enxergar a grandiosidade do plano de Deus para o ser humano e o cuidado de Deus com os mínimos detalhes.  Talvez o exemplo mais emblemático disso seja a imagem que  muitos fazem de Jesus sentado em uma carpintaria (ou marcenaria?) consertando algumas mesas e cadeiras. 

Assisti a um vídeo na internet outro dia de um pregador defendendo a tese de que Jesus tinha uma casa de praia em Cafarnaum. Segundo esse pregador, o dinheiro para comprar a tal casa ele havia conseguido após herdar a carpintaria do pai aos doze  anos e começar a entregar mesas e cadeiras em prazos recordes, acabando com toda a concorrência.  De acordo com ele, desde os doze anos Jesus foi juntando, juntando, juntando dinheiro com o lucrativo negócio do milagre da entrega rápida de mesas e cadeiras até conseguir dinheiro suficiente para comprar sua tão sonhada casa de praia em Cafarnaum.   A moral desta mensagem era a de que você também tem o direito de ter uma casa de praia, e Deus tem a obrigação de te dar.

A imagem de Jesus trabalhando em uma carpintaria (ou marcennaria) foi construida, na verdade,  com base nos dois únicos versículos da Bíblia que falam sobre isso :

Mateus 13:55 è Não é este o filho do carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos, Tiago, José, Simão e Judas?
Marcos 6:3 è Não é este o carpinteiro, filho de Maria, irmão de Tiago, José, Judas e Simão? E não vivem aqui entre nós suas irmãs? E escandalizavam-se nele.
           
Essa imagem de Jesus tem levado as pessoas, alimentadas pelo cinema americano,  a visualizar o Senhor Jesus numa marcenaria, não numa carpintaria,  consertando ou construindo mesas, bancos e cadeiras.  Não há imagem mais pobre para descrever o projeto de Deus de enviar Jesus, fazendo-o nascer no lar formado por Maria e José, o carpinteiro, do que essa.  Não que o Senhor Jesus não pudesse ter consertado algumas cadeiras ou mesas, mas a escolha de José como pai adotivo tendo ele a profissão que tinha, também fez parte do plano de Deus, pois não foi apenas Maria a escolhida para ser a mãe do Salvador, José também foi escolhido por Deus para ser o pai adotivo do Senhor. 

A palavra grega traduzida para o português como “carpinteiro” é  “tékton”, que significa também “construtor”.   Na língua portuguesa há a palavra “arquiteto”, que é aquele que desenha o projeto, o que planeja como ficará a obra depois de pronta.  O arquiteto dimensiona, esquematiza e planeja a obra antes de sua construção.   A palavra arquiteto é, justamente, a junção das palavras gregas “arké” + “tékton”.  A primeira palavra, “arké”, significa “maior”, “principal”, etc. Por exemplo, na língua portuguesa “arké” se tornou um prefixo  que deu origem a palavras do tipo “arqui-inimigo”, ou seja, maior inimigo, ou ainda “arcebispo”, bispo com autoridade maior sobre os outros bispos, etc.   Literalmente arquiteto é o “principal construtor” ou “construtor maior”.          

Portanto, “tékton” não é um fabricante ou consertador de mesas e cadeiras, não é um marceneiro, é antes um construtor, o equivalente a uma espécie de  “mestre de obras”.   No plano de Deus, foi exatamente isto que Jesus foi, o “tékton”, o construtor que veio “colocar a mão na massa”,  fazer o trabalho pesado, como um mestre de obras, e o Pai é o Sábio “Arké-Tékton” (Arquiteto),  o Construtor Maior, o que planejou a obra que o Filho viria executar.  Não é sem propósito que o apóstolo Paulo diz que nós somos o “edifício de Deus” (I Coríntios 3:9).  Assim, no extraordinário e perfeito plano de salvação projetado por Deus, até a profissão de Jesus teve significado, não foi algo aleatório e sem importância.  Jesus é o Construtor que veio construir algo tremendo, extraordinário, como bem descreveu o apóstolo Paulo:  “Sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos da parte de Deus um edifício, casa não feita por mãos, eterna, nos céus.”  (2 Coríntios 5.1). 

            É interessante observar que o conceito de Deus  como o “Grande Arquiteto do  Universo” tem sido empregado muitas vezes tanto dentro quanto fora da teologia cristã.  Eminentes teólogos cristãos do passado como Tomás  de Aquino e João Calvino utilizaram esta imagem para descrever o Deus da criação.  Em sua obra publicada em 1536, “As Institutas da Religião Cristã”, João Calvino chama repetidamente Deus de "O Arquiteto do Universo".   Fora da teologia cristã também é muito  comum encontrarmos tal adjetivo para descrever Deus.  Por exemplo, na (seita) maçonaria todos os seus membros (ou sócios) têm que crer na existência do “Grande Arquiteto do Universo” como sendo uma força superior, criadora de tudo o que existe.  No judaísmo, no islamismo e até no gnosticismo Deus tem sido apresentado desta mesma forma: “O Grande Arquiteto do Universo”.

            No Novo Testamento, o autor de Hebreus, falando sobre a fé de Abraão, diz que  ele    “aguardava a cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e edificador” (Hebreus 11:10).    De fato, Deus é apresentado nas escrituras sagradas como “Arquiteto e Edificador”.  Contudo, a grande diferença entre os ensinamentos bíblicos e os conceitos de Deus apresentados por outros grupos reside no fato de que a Bíblia ao designar Deus como Arquiteto, não se restringe apenas à criação.  Na realidade, em Hebreus, por exemplo, o autor usa de uma linguagem figurada para falar da “Nova Jerusalém”, da “Jerusalém Celestial”.  Deus é o arquiteto e edificador não somente da Nova Jerusalém, mas também de um projeto, de um plano para conduzir Abraão e “todas as famílias da terra” (Gênesis 12:3) à essa cidade celestial.

A Bíblia apresenta Deus não apenas como o “Grande Arquiteto do Universo”, mas muito mais do que isso, como o  Grande Arquiteto da nossa salvação

Ou seja, a Bíblia apresenta Deus não apenas como o “Grande Arquiteto do Universo”, mas muito mais do que isso, como o  Grande Arquiteto da nossa salvação.  E este, talvez, seja um dos ensinos mais extraordinários da Palavra de Deus, e menos compreendidos pelos cristãos.  O apóstolo Paulo falando sobre esse assunto em sua carta ao Efésios capítulo 1, fala de um plano arquitetado por Deus, elaborado antes mesmo da fundação do mundo.  De acordo com Paulo,   Deus, em sua imensa sabedoria, fez um plano extraordinário que transcende em muito nossa compreensão.  Ele, como um sábio arquiteto,  planejou o que iria fazer antes de iniciar qualquer obra da criação, e esse seu projeto teve como ápice e objetivo final a criação de indivíduos inteligentes, livres, santos como ele, e com quem pudesse se relacionar e ter comunhão,  e mesmo sabendo que esses indivíduos o desobedeceriam trazendo como consequência a quebra dessa comunhão, Ele ainda arquitetou um plano para a salvação desses indivíduos desobedientes,  fazendo do Filho Unigênito Jesus o executor desse plano.  Portanto, Jesus não foi um fabricante de mesas e cadeiras, mas foi e é, no plano do Pai, o Construtor  (Tékton)  de nossa salvação.

Roberto Ramos da Silva
Graduado em Teologia  pelo STBSB e em  Física pela UFSC. Mestre em Física de Plasmas pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Doutor em Física Atômica e Molecular pela UFSC. Diretor e Professor de Teologia do Instituto Batista de Educação, em Florianópolis, SC.
Fundador e Presidente do Núcleo de Recuperação e Reabilitação de Vidas (NURREVI), Comunidade Terapêutica para tratamento de dependentes químicos do sexo feminino.
Autor do livro “A Religião de Darwin”.




2 comentários:

  1. Casino Games and Live Dealer Apps | JetXpress - JetXpress
    From Table Games to Live Dealer Casinos, JetXpress 광주광역 출장마사지 is the place 화성 출장안마 for 나주 출장샵 you! With 세종특별자치 출장샵 live dealer action like never before, 고양 출장안마 JetXpress makes sure you are getting a

    ResponderExcluir
  2. E eu pensando que as metáforas sobre o carpinteiro seria jogadas no lixo e não ficaria nada.

    ResponderExcluir