Sempre
é louvável quando as igrejas batistas brasileiras voltam seus olhos para a
família. Neste ano de 2014 a CBB
escolheu como tema: "Família, o Ideal de Deus para o Ser Humano". E a divisa a partir das palavras do líder
Josué também se mostra bastante apropriado: "Eu e a minha casa serviremos
ao Senhor" (Josué 24:15b).
Antes
de refletir um pouco sobre a declaração de Josué e suas implicações para minha
vida e da minha casa e igreja, sou levado a constatar que, em geral, a
expressão bíblica é usada pelo nosso povo num sentido distinto daquele em que
foi proferido inicialmente em Siquém.
Do
jeito que ouvimos hoje a formulação: "eu e a minha casa serviremos ao
Senhor" como jargão na boca, em adesivos, camisas ou em outros souvenir e
badulaques, beira a uma formulação de
magia (algo como wicca de crente!) usada
para proferir promessa ou profecia auto-declarada. É como se ao pronunciar as palavras sagradas,
Deus – e o próprio universo – estivesse sendo submetido à obrigação de agregar
todos da minha casa à minha fé. Parece absurdo,
mas tem sido assim... contudo, deixemos a crítica de lado, e vamos ao
texto, sua análise e às suas lições, pois é o que realmente nos interessa.
Dando-me
à liberdade de uma tradução mais livre do verso bíblico eu diria: Eu já fiz a minha escolha. Eu e os da minha casa nos comprometemos em
servir ao Senhor. Lendo o contexto
esta opção de tradução se esclarece melhor.
Vejamos.
O
grande Josué tinha consciência que estava no final de sua jornada, e por
isso convocou os chefes nacionais para
as últimas tratativas (confira Josué 23:14).
E o texto diz que líderes, juízes e oficiais de Israel compareceram
diante de Deus (no primeiro verso do capítulo 24). Todos estavam ali não para
ouvir um velho a murmurar ou resmungar: no
meu tempo... pelo contrário, eram os anos de experiência de Josué com o seu
Deus que lhe conferiam os requisitos indispensáveis para conduzir o povo na
presença do Senhor e desafiar a cada um deles a uma tomada de posição. Afinal, Deus estaria ali em Siquém. Josué o sabia. Israel também.
O
discurso daquele dia teve como ponto de partida as poderosas ações de Deus na
história do povo. Esta é uma prática que
se tornaria padrão entre os homens e mulheres de Deus na Bíblia. Josué aprendeu desta maneira com seu mentor
Moisés (atente Deuteronômio 32:7) e, depois dele, a história foi repetida em
canções e serviu de base para a palavra profética (por exemplo o Salmo 136 e
Ezequiel 20). E no Novo testamento
Estevão usou o mesmo método (veja Atos 7).
Nosso Deus sempre intervém e age na história dos seus, isso
é graça e faz toda a diferença
A
verdade é que nosso Deus sempre intervém e age na história dos seus, isso é
graça e faz toda a diferença! Josué sabia
disso por experiência própria.
Por
ora, preciso confessar que, em nossos ajuntamentos, sinto falta de narrações
que se inspirem na Revelação e transpirem para a história e não que vagueiem de
um extremo da caatinga argumentativa para o aguaceiro da experiência. Aprendi que Deus está é no encontro da
viração do dia no jardim (como é significativa a descrição deste encontro em
Gênesis 3:8, “quando ouviram a voz do
SENHOR Deus, que andava no jardim pela viração do dia...”
Prosseguindo
com o contexto. Foi exatamente a
experiência de Josué em liderar o povo que indicou que algumas escolhas
fundamentais na vida não podem ser impostas de maneira arbitrária e
autoritária. Por isso então ele apontou
caminhos, deu opções. Com base na
história, o povo deveria escolher: o deus dos pais, o deus da terra, ou Deus da
história.
Ainda
hoje ainda uma escolha deve ser feita.
Diante de nós está a necessidade de escolhermos entre o deus estável da
tradição (seja qual a for configuração religiosa ou espiritual com a qual ele
se apresente), o deus sedutor da modernidade (com toda sorte de promessas ou
experiências que descortinem), ou o Emanuel, o Deus que se fez história e
habitou entre nós, cheio de graça e verdade (compare Mateus 1:23 com João
1:14).
É
neste ponto que a liderança de Josué se destaca mais uma vez. Antes que qualquer um dos chefes de família
dissesse algo, ele tomou a dianteira e afirmou com convicção: Eu já fiz a minha escolha. Eu e os da minha casa nos comprometemos em
servir ao Senhor. Ele não rogou
bênção ou maldição (até porque já as tinha ouvido da boca de Moisés como ainda
hoje eu leio em Deuteronômio 11:26-28).
Também não apelou para acalantos espirituais ou bradou impropérios. Ele tomou uma decisão baseada no conhecimento
que tinha da revelação de Deus e sua atuação na história de Israel.
Continuemos
com a análise. Agora nos detendo mais na expressão de Josué. Tive o cuidado de observar o texto em
hebraico que tenho em mãos e me chamou a atenção o uso enfático do pronome de
primeira pessoa: EU. Seja qual for o
encaminhamento que se dê à sentença, tudo começa com a determinação do sujeito.
Pois bem, seguindo na linha de interpretação que temos adotado, Josué fez uma
escolha. Diante das opções que se lhe
descortinavam e baseado nas ações de Deus na história, o líder tomou a
iniciativa, foi em frente e assumiu os encargos da decisão: sou eu, eu mesmo, e
não outro. Isto é autoridade moral.
Somente
quem tem tal autoridade empenhada pelo exemplo e credibilidade costurada pela
caminhada pode se colocar na posição de protagonista da história familiar e se
postar como padrão e modelo (entendo que as palavras de Paulo em Filipenses
3:17 podem ser lidas também nesta mesma linha de raciocínio).
Josué
definiu sua escolha a partir de si mesmo.
Isto colocou sobre seus ombros as responsabilidades da decisão. Como chefe de sua casa, ele não esperou que
ninguém mais a conduzisse no serviço ao Senhor.
Nem ficou apenas esperando que tal bênção lhe fosse atribuída como por
encanto.
A
lição de Josué que a mim fica demonstrada nesta disposição em primeira pessoa é
que, se anseio e tenho o sonho de ver toda a minha casa rendida aos pés
divinos, eu preciso pessoalmente tomar o encargo de assim conduzi-la. E tem mais.
Só posso cobrar dos meus submissão e serviço ao Senhor se tal atitude já
for padrão incontestável em minha vida.
Penso
que o problema de viver tomando posse de promessas e declarações de bênção
apenas é se eximir da responsabilidade.
É mais cômodo esperar que seja feito que se dispor a fazer! Parece-me que ainda é indispensável a esta
atual geração de líderes e crentes reassumir pessoalmente o papel de liderança
moral diante de nossas famílias para que elas sejam colocadas no altar.
É indispensável a esta atual geração de líderes e crentes reassumir
pessoalmente o papel de liderança moral diante de nossas famílias para que elas
sejam colocadas no altar
E
então, o que começou comigo, chega a minha casa. Não deixa de ser curioso que, naquele momento
de encruzilhada na história da nação de Israel, Josué tenha colocado como
alicerce de sua escolha a sua família, não uma coletividade maior, e nem sequer
mesmo a própria nação.
Fica
difícil determinar se ele fez tal implicação propositadamente ou não. Mas também não vem ao caso aqui. A lição bíblica é esta. Ao colocar sua casa como seu foco de escolha
ele deixou um inestimável ensinamento: somente com famílias servindo ao Senhor
teremos um povo encaminhado na trilha correta.
Poderíamos
dizer que Josué citou sua casa porque é sobre quem teria autoridade. Não me parecer ser o caso. Ele chefiava Israel e poderia impor o culto
ao Senhor e a exclusão dos deuses antigos e locais. Porém, como já apontamos lá em cima, esta não
seria uma decisão a se impor, mas uma escolha a ser feita consciente e responsavelmente. E começaria pela própria casa do líder, como
padrão e modelo.
Como
efeito de círculos concêntricos, a escolha que começou com Josué deveria ser
padrão para sua casa para, só então, influenciar a sociedade e a nação.
Tenho visto campanhas falando em educação escolar, formação
de cidadania, consciência social ou moralidade pública. A verdade é que nada
disso transfigurará o Brasil, a menos que comecemos em nossas casas um
verdadeiro compromisso e disposição de servir ao Senhor.
Ultimamente
tenho visto campanhas falando em educação escolar, formação de cidadania,
consciência social ou moralidade pública (e o pior é que às vezes até nossas
igrejas colocam tais proposições como prioridade em suas agendas!). A verdade é que nada disso transfigurará o
Brasil, a menos que comecemos em nossas casas um verdadeiro compromisso e
disposição de servir ao Senhor.
E
sabe mais? Sem aquilo que nos
acostumamos chamar de educação cristã de berço, todo o nosso projeto
eclesiástico de educação religiosa está fadado ao fracasso. Somente quando incutirmos em nossas casas,
começando pelo compromisso dos líderes, verdadeiros valores espirituais e
morais como: amor a Deus e ao próximo, serviço cristão, submissão humilde entre
outros é que poderemos almejar por impregnar marcas relevantes em nossa
sociedade (já experimentou aplicar instruções como Lucas 10:27; Efésios 5:21 e
Filipenses 2:3 em sua casa?).
Para
o último destaque da fala de Josué, quero mais uma vez me fazer valer da
palavra em língua hebraica. O termo ali
é servir cuja tradução e implicação mais usual é exatamente descrevendo um ato
de render culto (como em Êxodo 12:25).
Mas
penso que não seria de todo uma aberração ao sentido semítico da expressão se a
atrelássemos à conotação em língua portuguesa: servir como trabalhar para, ou
estar à disposição de. Mediante esta
sugestão, então Josué estaria se colocando, junto a sua casa, para trabalhar e
se empenhar em favor do Senhor como um servo prestativo e obediente. Ou seja, uma família pronta para o serviço,
para entregar seu suor e vontade à inteira vontade de Deus.
Creio
que posso entender as palavras do apóstolo Paulo na sua despedida dos líderes
de Éfeso na mesma linha (também aqui numa tradução livre): Em minha vida, nada mais importa que me gastar no serviço do Senhor
Jesus (leia o discurso em Atos 20, e o verso em destaque é o 24).
Contudo,
quero insistir na compreensão de serviço como culto, celebração e adoração (se
não me engano, a língua inglesa costuma empregar o termo assim!). Sendo assim, a escolha feita por Josué diante
do povo, naquele dia em Siquém, seria que, começando por ele e abarcando toda a
sua casa, ele preferia cultuar ao Senhor.
E
aqui entendo esta como uma boa definição de culto em família. Entendendo o culto como um estar na presença
do sagrado e dele desfrutar sua companhia (já citei o episódio do Éden em Gn
3:8), então é correto afirmar que Josué escolheu permanecer na presença do
Senhor, tendo-o em sua companhia, como havia sido sua experiência toda a vida. E isso ele queria também para sua
família. Era seu compromisso.
Diante
de variedade de deuses, entidades e forças cósmicas, Josué decidiu que ele e
sua família só se submeteriam em adoração ao Senhor Deus com o qual já tinha
experiência. A companhia divina tinha
sido certa, constante e soberana ao
longo da caminhada.
Josué
nascera ainda no Egito, ainda em tempos de escravidão, presenciou o mar aberto
para que a libertação acontecesse, peregrinou pelo deserto, espiou a terra e a
conquistou, sucedendo a Moisés. Ele
sabia que isso era resultado da ação direta do Senhor. Sim, valia continuar servindo em adoração
este Deus que nunca faltou em uma só de suas promessas (note a sua convicção em
Josué 23:14-15). Foi assim que o grande líder israelita se comprometeu em
estabelecer o culto ao Senhor como o único aceitável em sua casa. Nada além disso. Nada aquém disso.
Em
conclusão, não posso deixar de considerar que nossas famílias hoje, de modo
igual, continuam expostas a uma multiplicidade de deuses antigos e da
modernidade, formatos religiosos e de culto, objetos de veneração e preocupação
última. Todos eles querendo a primazia de nossa alma. A necessidade de escolha continua então
imperiosa a cada um de nós: A quem vocês vão servir? A quem invocarão em adoração? Quem será sua companhia e preocupação última?
Que
o próprio Senhor da Igreja nos dê líderes, servos e servas que digam: Eu já fiz a minha escolha. Eu e os da minha casa nos comprometemos em
servir ao Senhor.
Jabes
Nogueira Filho
Pastor auxiliar da PIB Aracaju, SE
Bacharel e Mestre em Teologia pelo
STBNB (Recife/PE)
Professor do SETEBASE
jabesfilho@me.com
http://jnescrevinhando.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário