terça-feira, 13 de janeiro de 2015

EU JÁ FIZ MINHA ESCOLHA

Sempre é louvável quando as igrejas batistas brasileiras voltam seus olhos para a família.  Neste ano de 2014 a CBB escolheu como tema: "Família, o Ideal de Deus para o Ser Humano".  E a divisa a partir das palavras do líder Josué também se mostra bastante apropriado: "Eu e a minha casa serviremos ao Senhor" (Josué 24:15b).

Antes de refletir um pouco sobre a declaração de Josué e suas implicações para minha vida e da minha casa e igreja, sou levado a constatar que, em geral, a expressão bíblica é usada pelo nosso povo num sentido distinto daquele em que foi proferido inicialmente em Siquém.

Do jeito que ouvimos hoje a formulação: "eu e a minha casa serviremos ao Senhor" como jargão na boca, em adesivos, camisas ou em outros souvenir e badulaques, beira a uma  formulação de magia (algo como wicca de crente!) usada para proferir promessa ou profecia auto-declarada.  É como se ao pronunciar as palavras sagradas, Deus – e o próprio universo – estivesse sendo submetido à obrigação de agregar todos da minha casa à minha fé. Parece absurdo,  mas tem sido assim... contudo, deixemos a crítica de lado, e vamos ao texto, sua análise e às suas lições, pois é o que realmente nos interessa.

Dando-me à liberdade de uma tradução mais livre do verso bíblico eu diria: Eu já fiz a minha escolha.  Eu e os da minha casa nos comprometemos em servir ao Senhor.  Lendo o contexto esta opção de tradução se esclarece melhor.  Vejamos.

O grande Josué tinha consciência que estava no final de sua jornada, e por isso  convocou os chefes nacionais para as últimas tratativas (confira Josué 23:14).  E o texto diz que líderes, juízes e oficiais de Israel compareceram diante de Deus (no primeiro verso do capítulo 24). Todos estavam ali não para ouvir um velho a murmurar ou resmungar: no meu tempo... pelo contrário, eram os anos de experiência de Josué com o seu Deus que lhe conferiam os requisitos indispensáveis para conduzir o povo na presença do Senhor e desafiar a cada um deles a uma tomada de posição.  Afinal, Deus estaria ali em Siquém.  Josué o sabia.  Israel também.

O discurso daquele dia teve como ponto de partida as poderosas ações de Deus na história do povo.  Esta é uma prática que se tornaria padrão entre os homens e mulheres de Deus na Bíblia.  Josué aprendeu desta maneira com seu mentor Moisés (atente Deuteronômio 32:7) e, depois dele, a história foi repetida em canções e serviu de base para a palavra profética (por exemplo o Salmo 136 e Ezequiel 20).  E no Novo testamento Estevão usou o mesmo método (veja Atos 7).

Nosso Deus sempre intervém e age na história dos seus, isso é graça e faz toda a diferença

A verdade é que nosso Deus sempre intervém e age na história dos seus, isso é graça e faz toda a diferença!  Josué sabia disso por experiência própria.

Por ora, preciso confessar que, em nossos ajuntamentos, sinto falta de narrações que se inspirem na Revelação e transpirem para a história e não que vagueiem de um extremo da caatinga argumentativa para o aguaceiro da experiência.  Aprendi que Deus está é no encontro da viração do dia no jardim (como é significativa a descrição deste encontro em Gênesis 3:8, “quando ouviram a voz do SENHOR Deus, que andava no jardim pela viração do dia...”
Prosseguindo com o contexto.  Foi exatamente a experiência de Josué em liderar o povo que indicou que algumas escolhas fundamentais na vida não podem ser impostas de maneira arbitrária e autoritária.  Por isso então ele apontou caminhos, deu opções.  Com base na história, o povo deveria escolher: o deus dos pais, o deus da terra, ou Deus da história.

Ainda hoje ainda uma escolha deve ser feita.  Diante de nós está a necessidade de escolhermos entre o deus estável da tradição (seja qual a for configuração religiosa ou espiritual com a qual ele se apresente), o deus sedutor da modernidade (com toda sorte de promessas ou experiências que descortinem), ou o Emanuel, o Deus que se fez história e habitou entre nós, cheio de graça e verdade (compare Mateus 1:23 com João 1:14).

É neste ponto que a liderança de Josué se destaca mais uma vez.  Antes que qualquer um dos chefes de família dissesse algo, ele tomou a dianteira e afirmou com convicção: Eu já fiz a minha escolha.  Eu e os da minha casa nos comprometemos em servir ao Senhor.  Ele não rogou bênção ou maldição (até porque já as tinha ouvido da boca de Moisés como ainda hoje eu leio em Deuteronômio 11:26-28).  Também não apelou para acalantos espirituais ou bradou impropérios.  Ele tomou uma decisão baseada no conhecimento que tinha da revelação de Deus e sua atuação na história de Israel.

Continuemos com a análise. Agora nos detendo mais na expressão de Josué.  Tive o cuidado de observar o texto em hebraico que tenho em mãos e me chamou a atenção o uso enfático do pronome de primeira pessoa: EU.  Seja qual for o encaminhamento que se dê à sentença, tudo começa com a determinação do sujeito. Pois bem, seguindo na linha de interpretação que temos adotado, Josué fez uma escolha.  Diante das opções que se lhe descortinavam e baseado nas ações de Deus na história, o líder tomou a iniciativa, foi em frente e assumiu os encargos da decisão: sou eu, eu mesmo, e não outro.  Isto é autoridade moral.

Somente quem tem tal autoridade empenhada pelo exemplo e credibilidade costurada pela caminhada pode se colocar na posição de protagonista da história familiar e se postar como padrão e modelo (entendo que as palavras de Paulo em Filipenses 3:17 podem ser lidas também nesta mesma linha de raciocínio).

Josué definiu sua escolha a partir de si mesmo.  Isto colocou sobre seus ombros as responsabilidades da decisão.  Como chefe de sua casa, ele não esperou que ninguém mais a conduzisse no serviço ao Senhor.  Nem ficou apenas esperando que tal bênção lhe fosse atribuída como por encanto. 

A lição de Josué que a mim fica demonstrada nesta disposição em primeira pessoa é que, se anseio e tenho o sonho de ver toda a minha casa rendida aos pés divinos, eu preciso pessoalmente tomar o encargo de assim conduzi-la.  E tem mais.  Só posso cobrar dos meus submissão e serviço ao Senhor se tal atitude já for padrão incontestável em minha vida.

Penso que o problema de viver tomando posse de promessas e declarações de bênção apenas é se eximir da responsabilidade.  É mais cômodo esperar que seja feito que se dispor a fazer!  Parece-me que ainda é indispensável a esta atual geração de líderes e crentes reassumir pessoalmente o papel de liderança moral diante de nossas famílias para que elas sejam colocadas no altar.

É indispensável a esta atual geração de líderes e crentes reassumir pessoalmente o papel de liderança moral diante de nossas famílias para que elas sejam colocadas no altar


E então, o que começou comigo, chega a minha casa.  Não deixa de ser curioso que, naquele momento de encruzilhada na história da nação de Israel, Josué tenha colocado como alicerce de sua escolha a sua família, não uma coletividade maior, e nem sequer mesmo a própria nação.

Fica difícil determinar se ele fez tal implicação propositadamente ou não.  Mas também não vem ao caso aqui.  A lição bíblica é esta.  Ao colocar sua casa como seu foco de escolha ele deixou um inestimável ensinamento: somente com famílias servindo ao Senhor teremos um povo encaminhado na trilha correta.

Poderíamos dizer que Josué citou sua casa porque é sobre quem teria autoridade.  Não me parecer ser o caso.  Ele chefiava Israel e poderia impor o culto ao Senhor e a exclusão dos deuses antigos e locais.  Porém, como já apontamos lá em cima, esta não seria uma decisão a se impor, mas uma escolha a ser feita consciente e responsavelmente.  E começaria pela própria casa do líder, como padrão e modelo.

Como efeito de círculos concêntricos, a escolha que começou com Josué deveria ser padrão para sua casa para, só então, influenciar a sociedade e a nação.

Tenho visto campanhas falando em educação escolar, formação de cidadania, consciência social ou moralidade pública. A verdade é que nada disso transfigurará o Brasil, a menos que comecemos em nossas casas um verdadeiro compromisso e disposição de servir ao Senhor.

Ultimamente tenho visto campanhas falando em educação escolar, formação de cidadania, consciência social ou moralidade pública (e o pior é que às vezes até nossas igrejas colocam tais proposições como prioridade em suas agendas!).  A verdade é que nada disso transfigurará o Brasil, a menos que comecemos em nossas casas um verdadeiro compromisso e disposição de servir ao Senhor. 

E sabe mais?  Sem aquilo que nos acostumamos chamar de educação cristã de berço, todo o nosso projeto eclesiástico de educação religiosa está fadado ao fracasso.  Somente quando incutirmos em nossas casas, começando pelo compromisso dos líderes, verdadeiros valores espirituais e morais como: amor a Deus e ao próximo, serviço cristão, submissão humilde entre outros é que poderemos almejar por impregnar marcas relevantes em nossa sociedade (já experimentou aplicar instruções como Lucas 10:27; Efésios 5:21 e Filipenses 2:3 em sua casa?).

Para o último destaque da fala de Josué, quero mais uma vez me fazer valer da palavra em língua hebraica.  O termo ali é servir cuja tradução e implicação mais usual é exatamente descrevendo um ato de render culto (como em Êxodo 12:25). 

Mas penso que não seria de todo uma aberração ao sentido semítico da expressão se a atrelássemos à conotação em língua portuguesa: servir como trabalhar para, ou estar à disposição de.  Mediante esta sugestão, então Josué estaria se colocando, junto a sua casa, para trabalhar e se empenhar em favor do Senhor como um servo prestativo e obediente.  Ou seja, uma família pronta para o serviço, para entregar seu suor e vontade à inteira vontade de Deus.

Creio que posso entender as palavras do apóstolo Paulo na sua despedida dos líderes de Éfeso na mesma linha (também aqui numa tradução livre): Em minha vida, nada mais importa que me gastar no serviço do Senhor Jesus (leia o discurso em Atos 20, e o verso em destaque é o 24).

Contudo, quero insistir na compreensão de serviço como culto, celebração e adoração (se não me engano, a língua inglesa costuma empregar o termo assim!).  Sendo assim, a escolha feita por Josué diante do povo, naquele dia em Siquém, seria que, começando por ele e abarcando toda a sua casa, ele preferia cultuar ao Senhor.

E aqui entendo esta como uma boa definição de culto em família.  Entendendo o culto como um estar na presença do sagrado e dele desfrutar sua companhia (já citei o episódio do Éden em Gn 3:8), então é correto afirmar que Josué escolheu permanecer na presença do Senhor, tendo-o em sua companhia, como havia sido sua experiência toda a vida.  E isso ele queria também para sua família.  Era seu compromisso.

Diante de variedade de deuses, entidades e forças cósmicas, Josué decidiu que ele e sua família só se submeteriam em adoração ao Senhor Deus com o qual já tinha experiência.  A companhia divina tinha sido certa, constante e soberana  ao longo da caminhada. 

Josué nascera ainda no Egito, ainda em tempos de escravidão, presenciou o mar aberto para que a libertação acontecesse, peregrinou pelo deserto, espiou a terra e a conquistou, sucedendo a Moisés.  Ele sabia que isso era resultado da ação direta do Senhor.  Sim, valia continuar servindo em adoração este Deus que nunca faltou em uma só de suas promessas (note a sua convicção em Josué 23:14-15). Foi assim que o grande líder israelita se comprometeu em estabelecer o culto ao Senhor como o único aceitável em sua casa.  Nada além disso.  Nada aquém disso.

Em conclusão, não posso deixar de considerar que nossas famílias hoje, de modo igual, continuam expostas a uma multiplicidade de deuses antigos e da modernidade, formatos religiosos e de culto, objetos de veneração e preocupação última. Todos eles querendo a primazia de nossa alma.  A necessidade de escolha continua então imperiosa a cada um de nós: A quem vocês vão servir?  A quem invocarão em adoração?  Quem será sua companhia e preocupação última?

Que o próprio Senhor da Igreja nos dê líderes, servos e servas que digam: Eu já fiz a minha escolha.  Eu e os da minha casa nos comprometemos em servir ao Senhor.

Jabes Nogueira Filho
Pastor auxiliar da PIB Aracaju, SE
Bacharel e Mestre em Teologia pelo STBNB (Recife/PE)
Professor do SETEBASE
jabesfilho@me.com
http://jnescrevinhando.blogspot.com

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