domingo, 25 de novembro de 2012

TEOLOGIA DA PROSPERIDADE: Um desafio à pregação da sã doutrina


Esta história aconteceu há cerca de três anos, mas certamente não perdeu sua contemporaneidade. Em um domingo de verão, devido à falta de vários alunos da classe de jovens, decidi acompanhar a lição com os homens. Naquele dia, iniciou-se um debate sobre o crescimento de determinadas igrejas, da linha neopentecostal, que pregavam a já conhecida Teologia da Prosperidade. Fui taxativo ao notar que muitas pessoas se deslocavam a essas igrejas em busca das bênçãos materiais que seus líderes ofereciam. Pensei, com isso, ter feito um comentário que seria pacífico entre o grupo. Para minha surpresa, porém, fui questionado por um irmão, que afirmou que não só discordava do meu ponto de vista como freqüentava uma dessas igrejas durante a semana e não entendia porque esta mensagem não era apresentada em nossa tradicional comunidade.

A vida do educador em nossas igrejas, hoje, é muito difícil. Tanto pastores quanto professores e líderes precisam enfrentar uma nova realidade: as igrejas estão brigando entre si para conquistar espaço em um “mercado religioso”. Nesse embate, várias armas são usadas, como a TV, rádios e internet, para alcançar um público a cada dia mais informado, carente e místico. Para vencer a disputa, as igrejas oferecem bênçãos e milagres instantâneos, raramente mencionando o Deus das bênçãos no processo.

Quando nos deparamos com esse quadro, não conseguimos parar de nos questionar: O que está por trás do sucesso destas igrejas, e o que nós, batistas, podemos fazer para impedir que nossos irmãos sejam atraídos por seus ensinamentos e deixem os nossos arraiais, ou mesmo os influencie por dentro?

Os princípios da Teologia da Prosperidade

Mas do que se trata, enfim, a Teologia da Prosperidade, e por que é tão danosa a nossas comunidades? Airton Jungblut define esta Teologia como sendo a doutrina

que prega enfaticamente o direito de todo crente, detentor de uma verdadeira fé cristã, exigir de Deus o cumprimento imediato de todas as bênçãos prometidas ao seu povo quando da remissão dos pecados através da morte sacrificial de Cristo. Ela postula que Deus está obrigado a atender a todo tipo de solicitação (saúde, riqueza, felicidade, etc.) feita corretamente através do que é denominado "confissão positiva", ou seja, através da fé incondicional na realização da solicitação associada ao emprego de vocábulos corretos que expressem a sua legitimidade bíblica.

Esta doutrina foi elaborada por Kenneth Hagin na década de 50 e ensinada ao longo de sua vida. Allan Pieratt, que pesquisou as obras de Hagin, divide seus ensinamentos em três pilares: Autoridade Espiritual, Saúde e Prosperidade e Confissão Positiva
.
O primeiro pilar trata sobre a Autoridade Espiritual que Kenneth Hagin assumia para si. Hagin divulgou a sua pregação partindo do pressuposto de que ele teria uma “unção de profeta, que seria uma bênção especial dada por Deus para trazer novas revelações, visões ou interpretações da Bíblia, que, mesmo que fossem opostas a outros trechos, deveriam ser entendidas como infalíveis por serem oriundas do próprio Deus. Aqueles que questionassem sua autoridade poderiam ser vítimas da ira de Deus, chegando a afirmar que, se um pastor não aceitasse a sua mensagem, ele poderia cair morto no púlpito.

O segundo pilar da pregação de Hagin diz respeito ao direito do cristão de ser sadio e próspero. Em sua literatura, Hagin afirma que “as doenças e enfermidades não são da vontade de Deus para o Seu povo. Ele não quer que a maldição paire sobre os Seus filhos por causa da desobediência; Ele quer abençoá-los com a saúde”. Para fundamentar esta alegação, Hagin argumenta que, se não era da vontade de Deus que o povo de Israel, seus servos, ficasse doente, quanto mais hoje com a igreja, formada por filhos Dele. Além disso, Hagin reinterpreta os textos bíblicos que mencionam que os cristãos passam por aflições neste mundo, dizendo que estas aflições não envolvem doenças (Mt. 8.17).

Com relação à prosperidade financeira, segundo Pieratt, Hagin adota a mesma filosofia: Assim como o cristão tem direito à saúde, ele também tem direito a ser próspero. A pobreza ou as dificuldades financeiras de qualquer espécie também não representam a vontade de Deus para o homem. Para isso, o cristão deve seguir alguns parâmetros: Meditar na palavra dia e noite (Js. 1.8), orar por isso (3 Jo. 2), ter fé (Fp. 4.19).

Segundo os pregadores neopentecostais, esta prosperidade não significa ser apenas satisfeito com o que você possui, mas desejar possuir tudo do bom e do melhor: as melhores comidas, roupas, carros, casas. Hagin, em dada oportunidade, teria ouvido de um pregador que Jesus e seus discípulos não andaram em Cadillacs. Hagin, então, reinterpretou o texto da entrada de Jesus em Jerusalém, afirmando que Jesus andou em um jumento, o que seria o “Cadillac” da época. Este pensamento ilustra bem a visão de Hagin e de seus discípulos: O crente não apenas deve almejar a prosperidade, ele não deve colocar limites à sua ambição. Quem não alcança essas bênçãos, é o próprio culpado de seus sofrimentos.

Para alcançar estas bênçãos materiais, há duas técnicas. A primeira, especificamente para a questão financeira, envolve a entrega de ofertas à igreja. Esta técnica se relaciona com os relatos e parábolas e textos sobre semeadura (Mc. 4.26ss, Sl. 126.6), onde se compara a semeadura às ofertas dadas na igreja e se afirma que o crente tem o direito de cobrar de Deus uma colheita abundante, ou seja, riquezas multiplicadas.

A segunda, criada por Hagin, afirmava que o crente deveria exercitar uma técnica chamada de Confissão Positiva. Esta técnica é um conjunto de condições que o cristão deve exercitar para receber as bênçãos descritas acima. Pieratt explica que “a confissão positiva ensina que o cristão será próspero segundo aquilo que ele conhece sobre seus direitos, de acordo com a firmeza com que ele acredita neles e pelo modo como ele confessa”.

A confissão positiva, segundo Pieratt, se divide em cinco atos: O conhecimento dos direitos do cristão, a firmeza da fé (chegando ao desafio e cobrança a Deus sobre o cumprimento da promessa), o uso místico do nome de Jesus, ausência de dúvida quanto à realização da bênção e a confissão da dádiva em voz alta. Sem estes cinco atos, o cristão não possui condições de ativar sua bênção e acaba tendo uma vida amarrada.  Por conta disso, este procedimento acaba tornando-se o cerne da pregação neopentecostal.

Os grandes perigos da doutrina da prosperidade

A doutrina da prosperidade, por causa de seus paradigmas, traz inúmeros desafios aos educadores tradicionais de hoje. Enfrentá-los não é fácil e pode trazer muitas dores de cabeça ou conflitos. Porém, essa luta é necessária para que a congregação possa manter um nível de vida cristã sadia.  
Em primeiro lugar, a infiltração desta doutrina no seio das igrejas tem levado os cristãos a pensarem cada vez mais em satisfazer os seus desejos individuais. Em algumas comunidades, esta pregação é mais aberta, com os fieis orando e brigando com Deus para receber a sua bênção, o que acaba gerando migração para igrejas com “mais poder” ou “mais unção”, ou simplesmente abandono da fé, quando não veem seus intuitos realizados. Ao agirem desta forma, provam que ignoram uma das partes da oração que o Senhor nos ensinou: “Seja feita a Tua vontade” (Mt. 6.10). Ignoram que Deus tem toda a autoridade para dizer “não” a nossos desejos (2 Sm. 12, 2 Co. 12.7-9, Mt. 26.42) e o faz porque quer o nosso melhor (Rm. 12.2).
Em outras comunidades, porém, o efeito da doutrina é mais velado, com cristãos direcionando todo o seu tempo para crescerem materialmente. Não pedem a Deus a bênção diretamente, mas pedem por empregos cada vez melhores, gastando horas, dias, anos, estudando ininterruptamente para crescer mais e mais na carreira, mas não direcionando um momento satisfatório para cultivarem um relacionamento saudável e íntimo com o Senhor, porque “não tem tempo”. Não só isso, muitas vezes tais pessoas prejudicam sua saúde e vida familiar por não dedicarem o tempo necessário para conviver com eles. Ignoram a palavra do sábio, que disse: “Descobri também que poder comer, beber e ser recompensado pelo seu trabalho, é um presente de Deus” (Ec. 3.13).
Além disso, ao pensarem apenas em seus anseios e desejos próprios, estes cristãos dificilmente aproximam-se de seus irmãos, relacionando-se meramente na vertical e ignorando os problemas e dificuldades que acontecem na horizontal. Por causa da justificativa para o não recebimento de bênçãos desta teologia, é comum que aqueles que não receberam a bênção sejam julgados e malvistos pelos demais fieis, sendo acusados injustamente de terem pouca fé, estarem com pecado escondido ou serem endemoninhados. Esquecem-se do fato de que a igreja primitiva cultivava a comunhão não apenas relacional, mas também a comunhão de bens, buscando conhecer as necessidades uns dos outros para dividir o que tinham entre si (At. 2.44,45). Também ignoram que o que nos afeta não vem, necessariamente, de pecado (Jo. 9.2,3), e que grandes herois da fé, como Pedro, Paulo, Estêvão e Tiago, sofreram por conta do evangelho.
O maior agravante, porém, pode vir do conformismo de alguns pastores a toda esta sensação de “mercado religioso” que circunda o meio evangélico atual. Na vã tentativa de atraírem pessoas para o que consideram ser uma “igreja saudável”, muitos pregadores têm negociado seus púlpitos, abdicando da oportunidade de alimentar suas congregações com mensagens bíblicas consistentes para apresentar pregações meramente de auto-ajuda ou motivacionais. Com isso, pregam indiretamente as bênçãos de Deus, apresentando mensagens rasas, sem fundamento na Palavra. Ao deixarem a Bíblia de lado, estes pregadores acabam por tornar suas ovelhas mais e mais suscetíveis a ventos de doutrina ou novos apóstolos milagreiros, gerando superficialidade no relacionamento de sua congregação com Deus e instabilidade da membresia.

O que fazer frente a tantos desafios?

Seria presunção minha querer solucionar todos os problemas oriundos da infiltração desta teologia em nossas comunidades. Entretanto, penso que existem algumas ações que podemos tomar para reduzir os seus impactos:

1. Pregue e ensine a Palavra de Deus: Hoje, a mensagem temática está cada vez mais comum em nossas igrejas. Não há nada de errado com este tipo de mensagem, desde que ela emane da Bíblia para os nossos corações. O que tem sido visto hoje, porém, é a utilização da Bíblia como mera ilustração ou pretexto para a transmissão dos argumentos do pregador, muitas vezes sem fundamentação. Ao solidificar a mensagem na Palavra, a congregação se sente atraída pela sua autoridade e tende a ouvi-la com maior atenção.

2. Apresente as diferenças de teologia do Antigo e do Novo Testamento: As igrejas neopentecostais usam o argumento de que Deus é o mesmo ontem, hoje e sempre para alegar que ele pode, hoje, fazer as mesmas coisas e cumprir as mesmas promessas que serviram para o povo de Israel. Apresente a doutrina da retribuição (Dt. 28) e, depois, a mudança de paradigma que ocorreu ao longo da história de Israel (Is. 1, Jó, Mt. 19.18-24).

3. Estimule o sentimento de comunidade e serviço desinteressados: A igreja nunca foi imaginada na Bíblia como sendo uma comunidade estática e individualista, em que as pessoas vão unicamente para buscar uma força mística que desse a elas o que elas querem. Pelo contrário, a igreja sempre foi caracterizada como um corpo (Ef. 4.15,16, 1 Co. 12), unido em sua diversidade, com dons e talentos que devem ser usados para o crescimento coletivo (1 Co. 12.7, 27) e em prol do outro, sem sentimento de orgulho (1 Co. 13.4,5b). Desta forma, não se deve encorajar a ideia de que as pessoas serão mais abençoadas se servirem mais na igreja. Pelo contrário, deve-se estimular o trabalho por amor, a Deus e ao próximo.

4. Apresente o verdadeiro sentido de prosperidade bíblica: Existem diversos textos que mostram que ter uma vida próspera não significa ter uma vida cheia de riquezas, mas sim aproveitar a vida que Deus lhe deu (Sl. 128.1-4, Ec. 3.13), aceitando que Jesus é o único que pode saciar nossos anseios (Jo. 4.13,14; 6.48-50), dentro das nossas necessidades (Mt. 6.25-33), e não desejos carnais (1 Pd. 2.11,12). Deve-se, portanto, estimular o crente a aproveitar aquilo que conquistou, em vez de gastar todo seu tempo buscando alcançar um patamar maior, enquanto gasta seu tempo nesta vida sem desfrutar dela.

André dos Santos Falcão Nascimento
Primeira Igreja Batista do Grajaú, no Rio de Janeiro, RJ.
 Graduação: Teologia, pela Faculdade Batista do Rio de Janeiro .
Pós-Graduando em Teologia Bíblico-Sistemática Pastoral
pela Faculdade Batista do Rio de Janeiro.
(Revista Educador  da CBB - 1T12)

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